A VONTADE DE IR PARA ALGUM LUGAR...

Recebi a sugestão de conversar com você sobre isto. Vou tentar esboçar. Falar sobre vontade é tocar num ponto crucial da fé cristã. Talvez seja o centro do debate teológico entre os católicos e os protestantes. A vontade se associa a temas universais como liberdade, amor, regras de conduta moral, compromissos e por aí vai.

A vontade é um ato em liberdade. Talvez seja uma das características marcantes do ser humano: poder escolher e estabelecer alvos e sentido de vida no que lhe diz respeito e interessa. Este interesse e destino são escolhas como endereços e locais onde se deseja chegar. Numa linguagem simples, diria que a vontade forma as estradas da vida. Estradas que vão e nem sempre retornam. Só vão, como quem saiu para passear e esqueceu o próprio endereço. Isto é, os atos de vontade estabelecem caminhos e vias; são as ruas da vida, verdadeiras estradas, cheias de atalhos, pontes, travessias em lagos, campos com a vegetação acima da cabeça cujo local do passo seguinte não é possível ver e só se vê quando lá se chega; às vezes se descobre que não é lugar algum. Tenta-se dar um passo atrás, mas o onde se pisou não está mais lá. Na sua cabeça você havia atravessado uma ponte, e quanto olha pra trás tem um abismo. Você está certo, atravessou mesmo a ponte, só que a ponte desapareceu. Não há retorno e não haverá mais ponte. Gozado, você pensava que seria só atravessar e voltar se não gostasse, mas as estradas da vontade são traiçoeiras, mudam de lugar, alteram a paisagem, bloqueiam, se distanciam. É como se você tivesse recebido um endereço – alguém dissera: Ali mora a felicidade. Você bate, entra e descobre que está na sala errada, e quando quer sair já não existem portas. Os caminhos da vontade são únicos, não há dois iguais e só têm uma única direção, que não inclui o para “trás”.


Esta é a angústia da vontade: você tem a liberdade de ir para onde quiser, mas não tem a liberdade de voltar por onde foi. E se você tiver saudade ou vazio do que não mais será, é sinal de que você se encontra num lugar errado, numa sala sem porta; no lugar da ponte, um abismo.

Esta leitura pode ser aplicada ao ser humano que vive as escolhas de caminhos e que não deu atenção à placa de indicação: Reino de Deus – virar à direita. Virou à esquerda e agora não sabe quem é nem onde está. Escolheu uma vida que quis, teve a liberdade de ir, mas ficou preso nesta liberdade e quer voltar por um caminho que não existe mais. A recomendação bíblica parece ser simples: não é a pessoa que encontra o Senhor, mas é o Senhor que encontra a pessoa. O melhor é sentar à beira da estrada da vida e esperar. Não dar qualquer passo. Permitir (mais que isto suplicar) que o Senhor entre na liberdade, que não existe mais, tome pela mão e mostre a direção e lugar dos passos. Se não foi exatamente isto o significado do que Jesus disse, também acho que não estaria muito longe: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida – vida e verdade são as escolhas, (quando a liberdade não faz mais sentido ou não tem mais qualquer importância) para se andar num único caminho.

Este é o abandono de si mesmo que a vida cristã exige. Não se trata de buscar os interesses ou de escolher o Reino de Deus como se este pudesse ser mais promissor, ou ter a ilusão de que – Ali mora a felicidade. Nem tudo na vida cristã é felicidade. Jesus não fez propaganda de um produto com promessas de coisas que não funcionam. Foi bem claro: No mundo tereis aflições. A felicidade no Reino é saber que tem alguém, que conhece melhor as estradas da vida; que cuida da minha vontade; que tomou a minha liberdade quando eu não sabia nem o que fazer com ela; que sabe e mostra onde estão escondidos os atalhos, as vielas, as avenidas que estão por detrás das esquinas; cidades iluminadas depois dos becos e depois dos vales, colinas. Enfim, que me mostra o que não vejo, dá a conhecer o que está escondido, diz o que devo fazer quando não sei. Você pode chamar isto de “viver na fé” que dá no mesmo, e nada mais é do que entregar o domínio da vontade a outra pessoa e saber que a vida é um mistério que não se pode caminhar só, e que um outro, também perdido, não pode ensinar. São tantos perdidos em meio à própria vontade!

Compreender o que é o Reino de Deus e nele viver, é abdicar da própria vontade, de uma autonomia, que num dado momento, também perde o sentido. Quando você, ou alguma pessoa que conhece, se encontrar nestas estradas sem pontes, ou salas sem portas, trilhas que estavam ali, mas não estão mais, o “caminho” da “saída” é uma pessoa, que se chama Jesus.

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